quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Sonhos de criança


Nada é mais lúdico e prazeroso do que realizar um sonho de infância. Todos nós temos os nossos, alguns permanecem, outros já não. Mas aqueles que ficam muitas vezes se tornam apenas lembranças de um desejo, pensamentos que o mundo adulto não mais se deixa influenciar.

Ouso admitir que um dos meus mais preciosos, é até bem simples. Eu sabia que iria realizá-lo, mas havia perdido a esperança da magia que seria se o tivesse realizado quando nova. NEVE, meu sonho era conhecer a neve. Passava horas em frente da televisão vendo inúmeros filmes, todos com aqueles cenários branquinhos, ambientes perfeitos para a magia acontecer. Eram “Esqueceram de mim”, “Bela Adormecida”, “Meu papai virou Noel” entre tantos outros. Guerras de bola de neve, bonecos de falantes, anjos de neve e amores perfeitos. Era o mínimo que eu esperava daqueles floquinhos milagrosos.

Aos 20 anos, com muitas viagens frustradas para lugares frios, e com uma vida adulta e sem magia despontando no horizonte, recebi um presente. Três meses de intercambio em Nova Iorque, em pleno o inverno. Era perfeito, mataria dois coelhos com uma cajadada só, moraria fora, (outro sonho de criança, não tão ingênuo), e finalmente conheceria a danada da neve. Aconteceu que, uma semana antes de viajar, comecei a namorar um amigo, por quem estava completamente apaixonada e que, coincidentemente, passaria uma semana em Nova Iorque na mesma época que eu.

“Houston, temos um problema”, para o meu desespero aquele foi o inverno mais quente dos últimos 50 anos. Nevou apenas duas vezes desde que o inverno começara, e um mês depois da minha chegada eu ainda não vira nada. Com o inverno começando a acabar, eu já tinha perdido as esperanças, e admito, estava ligeiramente desapontada.

Meu mais novo namorado iria chegar ao final de fevereiro, e comecei a me animar novamente. Mais uma vez um banho de agua fria, em seu primeiro dia lá, um danado de um vinho californiano o deixou de cama. Perdidos 3 dias de viagem com ele passando mal, finalmente começamos a sair. Visitamos a cidade, encontramos com amigos, jantamos, e até um pedido de casamento vimos na pista de gelo do Rockfeller center. E nada de neve.

Sua estada acabou sendo corrida, mas no último dia, insisti para irmos ao Central Park patinar no gelo e fomos procurar a pista. Depois de meio parque caminhado e metade do dia perdido, devido a minha teimosia de firgir que conhecia tudo, finalmente paramos para pedir informação. A Pista era no início, do lado do portão que entramos. Era quase 5 horas, e com um teatro marcado para as 8 da noite, voltamos às pressas.

Quando chegamos, a pista estava fechada, um grupo de patinadores profissionais estava filmando uma apresentação, enquanto um coral gospel cantava “ Oh Happy Day” em plenos pulmões. Foi simplesmente perfeito. E ao final da apresentação, quando todos se jogavam no chão, começou a cair uma poeirinha branca do céu. Foi quando ouvi no meu pé do ouvido, “olha amor, está nevando”. Não acreditei, praguejei que era impossível e que aquilo era cenografia. Nada poderia ser tão perfeito. Já atrasados saímos do entorno da pista em busca de uma saída, mas a tal da cenografia não parava. Foi neste momento que a ficha caiu, estava nevando de verdade, depois de tudo, de um mês e pouco em Nova Iorque finalmente estava nevando. Abri um sorriso e senti naquele momento cada floquinho que caia no meu rosto.
 
 Eu estava em êxtase, morrendo de frio, mas querendo cada vez mais sentir tudo aquilo, uma enxurrada de sensações, fisicas e emocionais. Eu cheirava o ar, abria a boca, as mãos e a alma. Naquele momento fui transportada para um mundo dos sonhos, chorei e sorri ao mesmo tempo, e tive ali o que para mim é a experiência estética. É deixar as coisas nos tocar internamente, nós deixar levar e usar todos os sentidos, como uma obra de arte que mexe com nossa cabeça e emoções. Estava com o homem que mais tarde passaria a amar, em plena a mágica cidade de Nova Iorque, realizando, como uma princesa, o meu sonho de criança.
 
 
Melina Valente Marques
 

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